terça-feira, 29 de setembro de 2009

Portugal/Caso das Escutas: Cavaco Silva admite "vulnerabilidades" no sistema informático de Belém


Numa breve declaração à comunicação social sem direito a perguntas, no Palácio de Belém, esta noite, em Lisboa, Cavaco Silva admitiu que existem “vulnerabilidades” no sistema informático da Presidência da República, mas lembrou que nunca fez qualquer referência a escutas.

Cavaco Silva acusou ainda "destacados personalidades do partido do Governo" de manipulação e de tentarem colar o presidente ao PSD com o objectivo de desviar as atenções, mas garantiu que não se deixa condicionar nem cede a pressões. Não indicou no entanto, nenhum nome em concreto nem fez mais precisões.

Afirmando ter efectuado reajustamentos na Casa Civil da Presidência da República, Cavaco Silva não esclareceu, no entanto, os motivos por que afastou do pelouro da comunicação o seu assessor Fernando Lima.

Pacheco Pereira (PSD) quer que PS se venha explicar

O social-democrata Pacheco Pereira exigiu hoje um "esclarecimento cabal" do PS sobre a acusação do Presidente da República de manipulação de "destacadas personalidades do partido do Governo", lamentando que Cavaco Silva não tenha feito a denúncia na campanha eleitoral.

Para Pacheco Pereira o PS tem de explicar "por que razão é que conduziu duas campanhas contra a Presidência da República, uma delas em período eleitoral, perturbando a transparência e o debate em período eleitoral", com "factos falsos destinados a incriminá-lo [Presidente da República] e a associá-lo ao PSD".

O secretário-geral do PSD, Luís Marques Guedes, lamentou hoje que “o esclarecimento” do Presidente da República sobre o caso das alegadas suspeitas de escutas a Belém não tenha sido feito antes das legislativas para que os portugueses votassem de “forma mais esclarecida”.

PS: "Suspeição de escutas foram invenção do PSD"


Já o PS considerou - através de Pedro Silva Pereira, membro do secretariado Nacional do PS e considerado “braço direito” de Sócrates - , que a comunicação ao país do Presidente da República “confirmou” que a suspeição sobre “escutas” do Governo a Belém não passou de “uma invenção” com o objectivo de prejudicar os socialistas e o seu executivo.

O presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, considerou que a comunicação ao país de Cavaco Silva foi “infeliz, não esclarecedora e inusitadamente partidarizada”, frisando que foi “pior a emenda do que o soneto”.

“O Presidente da República não encontrou justificação, nem explicações, para um ambiente de intriga e suspeição que foi lançado por um seu assessor e não por nenhum membro do partido do governo”, afirmou à Lusa Carlos César, também líder do PS/Açores.

Director do DN considera comunicação de Cavaco "demagógica"

O director do Diário de Notícias, João Marcelino,considerou quanto a ele, em declarações no telejornal da RTP1, que a declaração de Cavaco Silva foi "a peça mais demagógica" de um político português de alto nível. Segundo este, na declaração ficou por esclarecer se havia suspeitas por parte da Presidência de estar sob vigilância.

"Quando associa a fragilidade do seu sistema de email a um outro email que não tem nada a ver com a Presidência da República, e que circulou na redacção do Público e foi transcrito pelo meu jornal, parece-me que o Presidente da República está a ir um bocadinho além daquilo que é normal nas suas funções", acrescentou.

"Não fiquei esclarecido. Ele diz que fez reajustamentos na Casa Civil, que ninguém pode falar em nome do Presidente da República, mas o que não diz é se esse elemento [Fernando Lima] transmitiu ou não aquilo que era o sentimento geral na Presidência da República naquela altura. Isso ele não diz", afirmou.

Declaração de Cavaco foi importante, mas pouco esclarecedora

"O país necessitava destas declarações, pois a questão já se prolongava há muito tempo e dominava a agenda mediática, tendo de ser esclarecida", afirmou, por seu lado, Carlos Jalali, politólogo da Universidade de Aveiro, para quem, no entanto, permanecerá a dúvida sobre "até que ponto as declarações foram efectivamente esclarecedoras sobre aquilo que foi noticiado nos últimos tempos".

"As declarações de Cavaco Silva foram combativas, com bastante envolvimento pessoal e calor mas talvez não tenham gerado a luz suficiente para dissipar todas as dúvidas em torno do assunto", ponderou.

Também Adelino Maltês, politólogo do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa, considerou importante que o Presidente da República tenha abordado publicamente o assunto, classificando a comunicação "algo afectiva, algo emocional, dirigida, não a analistas ou a comentadores mas ao homem comum".

"A Presidência da República é um órgão unipessoal, o Presidente da República é um homem, não é Deus, mas acho que foi suficientemente explícito e, eventualmente, tem o direito a errar", disse à agência Lusa, complementando que a situação deve ser encarada "com naturalidade".

O docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas referiu ainda que "nada há a estranhar" nas vulnerabilidades do sistema de email do Presidente da República "pois o relatório Echelon do Parlamento Europeu já tinha demonstrado a existência de uma central global de escutas".

Já Manuel Villaverde Cabral, politólogo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, comentou à Lusa que o Presidente da República "quis dizer aos portugueses que tentou, por todos os meios, que o assunto não viesse para a comunicação social durante o período de campanha eleitoral".

Enquanto isso, "o partido do Governo fez tudo quanto pôde para encostar o Presidente ao PSD, o que é uma coisa sem nível", opinou, adiantando que "o secretário-geral do PS não se atreveu a fazê-lo mas encarregou disso as pessoas que trabalham para ele".

"O Presidente viu-se, assim, constrangido a reagir a uma situação que devia ser impugnada - o DN devia ter de explicar como é que apanhou um determinado e-mail", afirmou Villaverde Cabral, para quem Cavaco Silva "demitiu um colaborador de sempre, engoliu os ataques e agora veio dizer-nos que as suspeitas se mantêm".

"Ficamos, pois, confrontados com a palavra do Presidente da Repúblicas contra a palavra de figuras menores do PS, restando-nos ver o que vão assumir as personagens maiores", afirmou também.

DN sob inquérito por suspeita de ter violado a confidencialidade das fontes de informação

A declaração do Presidente da República vai ser considerada no processo de inquérito aberto pela Comissão da Carteira de Jornalistas para apurar se houve violação dos deveres profissionais do jornalista em proteger a confidencialidade das fontes de informação nos artigos publicados em 18 de Setembro pelo Diário de Notícias (DN) sobre o caso das escutas.

O DN avançou em 18 de Setembro que o assessor do Presidente da República Fernando Lima teria sido a fonte do diário Público na sua manchete de 18 de Agosto, em pré-campanha eleitoral, segundo a qual já no ano passado Cavaco Silva suspeitava estar a ser espiado pelo Governo liderado por José Sócrates.

Nesse dia, o DN publicou uma alegada mensagem de correio electrónico entre dois jornalistas do Público - Luciano Alvarez e o correspondente da Madeira, Tolentino de Nóbrega - com instruções para seguir pistas fornecidas pelo até então assessor de imprensa do Presidente, Fernando Lima, quanto a essa suspeita, supostamente por ordem directa de Cavaco Silva.

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