sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Crónica: O falcão luxemburguês e a pomba portuguesa

Quem é neste momento o líder europeu que torce mais o nariz ao ouvir o nome de Jean-Claude Juncker? Se o leitor respondeu "Sarkozy" é bem possível que se tenha enganado, já que a resposta pode muito bem ser "Sócrates", ou pelo menos "Teixeira dos Santos". De facto, a pugna entre Portugal e o Luxemburgo pelo cargo de vice-presidente do Banco Central Europeu está ao rubro e a partida disputada entre os governadores dos bancos centrais dos dois países, respectivamente Vítor Constâncio e Yves Mersch, tem tido alterações constantes no marcador e continua de vencedor incerto no fim do tempo regulamentar. E Teixeira dos Santos, adepto incondicional de Constâncio, acaba de chamar caseiro ao árbitro Juncker.

Juncker foi reeleito como presidente do Eurogrupo e, nessa mesma reunião, a sua primeira tarefa seria precisamente a de organizar uma votação entre os ministros das Finanças da Zona Euro que decidisse o substituto (a partir de Junho) do grego Papademos. Mas sob pretexto de recear um empate (os mais maquiavélicos afirmam que na verdade o receio era de uma derrota de Mersch), o árbitro mandou todos para as cabinas e marcou uma finalíssima para Fevereiro – o pretexto foi o de pedir entretanto um parecer jurídico para definir como votar à luz das novas regras do Tratado de Lisboa (ironias da alta política, a mesma cidade onde labora Constâncio). O governo português, desconfiando que Juncker sabia ser muito difícil eleger dois luxemburgueses no mesmo dia, não gostou do adiamento ("É estranho e prejudica a candidatura portuguesa") e preferia ter ido a penáltis. Até porque Constâncio é conhecido por ser bom à defesa, ou seja, por ser em jargão "uma pomba": menos preocupado com a inflação e mais com o desempenho económico e o desemprego, e reticente em começar a retirar os apoios públicos concedidos nos momentos mais duros da crise.

Mersch, pelo contrário, é a definição do "falcão": a ortodoxia financeira é o seu credo, o combate à inflação o seu primeiro e grande objectivo; e como tal, a retirada do dinheiro público da economia uma prioridade. Mersch é "tão alemão como um alemão", monetariamente falando, e isso também parece jogar contra si: a Alemanha quer para um alemão o lugar de presidente em 2011, e sabe que é necessário equilibrar presidente e vice com filosofias diferentes – daí parecer inclinar-se para Constâncio. Resta saber em que equipa jogará a França, depois da operação de charme de Juncker em Paris há duas semanas.

Se o empate persistir, o cargo – e os 21.532 euros mensais que ele significa para o seu titular – pode cair nas mãos de mais um outsider belga, neste caso em Peter Praet, o governador do banco central do país. Ou então num candidato de última hora. Aí está um desfecho que não agradaria a nenhum dos contendores, Portugal ou Luxemburgo, em luta para subir de divisão... política.

Hugo Guedes

*As crónicas de Hugo Guedes podem também ser lidas no blogue associado do CONTACTO: www.naruadagrandecidade.blogspot.com

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