quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Crónica: Luísa Todi - uma cantora para a eternidade

Luísa Todi nasceu em Setúbal em 1753, era filha de um professor de música e foi através da música, e particularmente do canto, que se tornou célebre na Europa do séc. XVIII.

Luísa Rosa de Aguiar começou por fazer teatro musicado revelando já muito nova a potencialidade e a beleza da sua voz. Aos 15 anos, e numa época em que as mulheres não costumavam subir ao palco, desempenhou o papel de Tartufo, a personagem principal (masculina) da peça de Molière - o célebre autor de teatro francês clássico. Casou um ano depois com um grande admirador seu, o violinista napolitano Francesco Saverio Todi, que a aconselha e lhe proporciona o aperfeiçoamento do canto com um outro grande músico italiano, mestre de capela da rainha D. Maria I.

Luísa de Aguiar adopta o apelido do marido e é com esse apelido que a cantora lírica portuguesa será conhecida e considerada como "a meio-soprano de todas as centúrias". Embora tenha começado a cantar em público em 1772, fez a sua estreia um ano antes na corte de D. Maria I. Segue para Londres, onde actua em companhia do marido, mas é em Madrid que o público lhe reserva uma extraordinária ovação. Quando em 1778 actua em Paris, já é considerada como uma das maiores cantoras do seu tempo, o que lhe permite ser convidada para cantar nas mais prestigiadas salas e cortes europeias: Versalhes, Veneza, Parma, Viena de Áustria, Mainz, Bona.

Mas, embora célebre e acolhida triunfalmente em todas as capitais europeias, volta a Portugal em 1783 para cantar para a corte portuguesa. Apesar de todo o seu talento, Luísa Todi não só tinha admiradores – no seu percurso de cantora teve igualmente de enfrentar alguns rivais, e muito particularmente a soprano alemã Gertrudes Mara. Após a sua actuação em Lisboa, regressa a Paris, onde as duas cantoras competem num "duelo" que ficará célebre na história do canto. Em 1784, a convite, e sob a protecção da imperatriz Catarina II da Rússia, Luísa parte com o marido e com os filhos para S. Petersburgo, onde canta para um público que a aplaude clamorosamente e lhe reconhece o seu extraordinário talento, perfeição e expressão nas línguas que domina perfeitamente: francês, inglês, italiano e alemão. A imperatriz e a cantora passam muitos momentos juntas, facto que alicerça uma amizade e uma admiração profunda e mútua. Isto, traduz-se materialmente por parte da "grande Catarina da Rússia", em presentes de grande valor, entre os quais um colar de diamantes oferecido à portuguesa. Por parte de Luísa, e em sinal de agradecimento, escreve com o marido a ópera "Pollinia" dedicada à imperatriz. Em 1786, para a inauguração do Teatro da Ermitagem de S. Petersburgo, o compositor italiano Giuseppe Sarti compõe uma ópera na qual também faz actuar Luigi Marchesi, um célebre "soprano-castrato", que vem arrebatar um certo protagonismo a Luísa Todi. Temendo perder a estima e a admiração da soberana, Luísa influencia a imperatriz de modo a que Sarti seja afastado da corte de S. Petersburgo. No entanto, como por vezes há males que vêm por bem, esta intriga da meio-soprano portuguesa parece ter proporcionado a sorte de Sarti pois que, Potemkine, grande mecena e amador de música, amante e depois marido de Catarina II, vai doar ao italiano casa e terras junto do seu palácio de Kiev (hoje capital da Ucrânia) e não só a sua fama será grande, como também se tornará mais tarde um dos protegidos da soberana.

Em 1787, Frederico Guilherme II, imperador da Prússia (reino que existiu até ao século XIX e do qual faziam parte o norte da Alemanha e uma parte da Polónia), convidou Luísa a ir cantar a Berlim onde o público também a acolhe com muito carinho e admiração. Luísa acaba por ficar a viver naquela cidade durante alguns anos, mas volta a Lisboa em 1793 para cantar na corte de D. Maria I e, muito especialmente no baptizado da terceira filha do futuro rei D. João VI. Por mais estranho que pareça, a cantora teve de pedir uma autorização especial para poder cantar em público visto que, nessa época, em Portugal, as mulheres não estavam autorizadas a fazê-lo. Foi em Nápoles, e no ano de 1799, que Luísa Todi termina oficialmente a sua carreira. No entanto, em 1801 ainda volta a cantar no Porto. Enviuvou em 1803, e em 1809, ao fugir das tropas francesas de Napoleão, é no terrível acidente das Ponte das Barcas que perde todas as suas jóias e a sua fortuna. Em 1811 chega a Lisboa, onde, em S. Pedro de Alcântara, mora num modesto segundo andar, e é ali, que em 1833, já cega, virá a falecer. A sua cidade natal prestou-lhe a devida homenagem atribuindo o seu nome à maior avenida de Setúbal e erigindo um monumento à sua memória. Foi igualmente em reconhecimento desta voz singular que foi criado o "Concurso Nacional de Canto Luísa Todi" destinado a proporcionar, tanto a jovens formados, como a cantores formados em início de carreira, as devidas oportunidades de projecção de carreira e os factores de reconhecimento na área do canto lírico.

Mafalda Lapa

(Crónica mensal sobre estórias de mulheres portuguesas que marcaram a História. Próxima publicação: 17 de Março)

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