sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Luxemburgo: "A Tempestade" revisitada 400 anos depois por portugueses, luxemburgueses e alemães


A poucos meses de se assinalarem os 400 anos da estreia da última peça escrita por William Shakespeare, A Tempestade – representada pela primeira vez a 1 de Novembro de 1611 – continua actual e um dos retratos mais fiéis e tragicómicos da humanidade. E foi a isso que o público privilegiado pôde assistir na quinta e na sexta-feira (n.d.R.: 17 e 18 de Fevereiro) no Centro Cultural Kinneksbond, em Mamer: a uma peça clássica e simultaneamente bastante contemporânea representada com a experiência e a excelência dos actores da Companhia de Teatro do Algarve (ACTA), do Teatro de Trier e do Teatro Nacional do Luxemburgo (TNL).

Próspero, Duque de Milão, e a sua filha Miranda moram exilados numa ilha, após o irmão do primeiro lhe ter usurpado a coroa. A ilha é ainda habitada por Caliban, escravo de Próspero, e Ariel que, embora seja um espírito que pode metamorfosear-se em ar, água ou fogo, encontra-se retido na ilha por Próspero. O antigo duque de Milão é um mago poderoso e quando o seu irmão e antigos amigos chegam à ilha, após um naufrágio provocado por Ariel, Próspero arquitecta um plano com os seus três súbditos para se vingar.

Luís Vicente brilha no papel principal e o seu ar severo, duro, mas patriarcal e portentoso, – a que já nos tinha habituado em papéis como o inspector Rego (telenovela "O Olhar da Serpente", da SIC, 2002/2003) ou o director Lúcio Cunha (série "Lua Vermelha", SIC, 2010/2011) –, voltam a funcionar ao encarnar Próspero.

Nesta encenação de Gerhard Weber e de Sylvia Martin foram suprimidos alguns papéis, como os das ninfas, por exemplo. Mas Tânia Silva, numa sensual e inocente Miranda, torna-se tágide formosa e musa que inspira a mente libidinosa de Caliban, as veleidades do príncipe Fernando, e seduz-nos também a nós.

Carlos Pereira é um Ariel etéreo. E mesmo se em Mamer o actor não foi propulsado por fios como na estreia em Trier, Carlos fez esquecer o pormenor técnico e esvoaçou leve e subtil sobre o palco e a ilha, encantando ilhéus, náufragos e espectadores.

Caliban, interpretado por Mário Spencer, foi a nosso ver a personagem que mais divertiu o público. O actor interpreta um escravo troglodita, hilariante, fabuloso, que salta, esbraceja, gesticula, vocifera, parece que ocupa todo o palco (toda a ilha, "a ilha é minha", assevera ele) e que é, paradoxalmente, um dos mais humanos da história. E com um copo a mais, Caliban põe Spencer (a não ser que seja o contrário) a falar alemão e até luxemburguês: "Jo, Jo!". Shakespeare com certeza rebolou-se de rir, lá de onde viu esta versão.

Estas brincadeiras de linguajar, de incursão incauta noutra língua, a que tanto os actores portugueses como alemães se experimentaram, resultaram em tiradas que o público entendeu como piadas e piscar de olhos à co-produção transnacional a que se propunham as três companhias de teatro e que assim provou ser uma aposta ganha. As legendas e a linguagem gestual do jogo de actores ajudaram a compreender o resto e não nos pareceu que o público se tivesse perdido nas traduções.

Uma palavra ainda para o único luxemburguês do elenco: Luc Feit arrecadou, também ele, os favores do público, ou não estivesse a jogar em casa. Mas nem precisava dessa vantagem. No papel de Trínculo, fanfarrão, bêbado e idiota, Feit prova ser no teatro o que já conhecíamos dele nos filmes: o actor certo para papéis de bom rebelde e de anti-herói na linha do saudoso Thierry van Werveke.

No final do serão, tanto o público como os actores e responsáveis das três companhias regozijavam-se pelo entusiasmo com que a peça fora recebida, tanto em Trier, onde estreou a 13 de Fevereiro, como no Luxemburgo. Da mesma forma se sentiam os responsáveis do novo Kinneksbond de Mamer, para quem esta foi a primeira peça a subir ao seu recém-inaugurado palco.

Os actores portugueses da ACTA confiaram ao CONTACTO desejarem repetir a experiência. Porque não com um dos seus próximos projectos em torno da história de Inês de Castro? O desafio foi feito por Luís Vicente ao director do TNL, pôde testemunhar o CONTACTO. Veremos se teremos a sorte de os voltar a ver.

Para quem não teve a oportunidade de assistir à peça, esta será ainda representada: de 25 a 27 de Fevereiro, no Theater Trier; a 10 e 11 de Junho, no TEMPO-Teatro Municipal de Portimão; e a 17 e 18 de Junho, no Teatro das Figuras, em Faro
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José Luís Correia
Foto: Paulo Lobo

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