domingo, 25 de setembro de 2011

Cerca de 95 % das hortas do Luxemburgo estão nas mãos de portugueses

Documentário "Schrebergaart" retrata a vida dos horticultores na zona industrial de Esch

Na maior associação luxemburguesa de horticultores, 95 % dos membros são portugueses, revela o documentário "Schrebergaart", de Yann Tonnar. O realizador luxemburguês passou um ano a filmar as hortas urbanas na cintura industrial de Esch, a maioria nas mãos dos portugueses. O resultado é um retrato dos conflitos latentes na sociedade luxemburguesa.

"Vai demorar muito?". António Rodrigues Martins é um dos portugueses que aparecem no documentário "Schrebergaart", e foi convidado para assistir à ante-estreia nos cinemas Belval, na quarta-feira passada. Levou a mulher, os três filhos e o irmão, que também aparece no documentário. Mas mal a projecção acaba, quando o CONTACTO tenta entrevistá-lo, já só pensa nas dez ovelhas e nos muitos animais que o esperam no talhão comunitário que cultiva em Esch. "Ainda tenho de ir deitar os animais. Tenho de ir, senão a raposa vai lá."

São quase dez da noite, mas este chefe de obras de 51 anos ainda vai passar na horta que arrenda à autarquia de Esch-sur-Alzette. No talhão que cultiva há vinte anos com a ajuda do irmão, há de tudo: feijão verde, tomate, couves, batatas, até videiras em latadas, como é tradição no Minho – ou não viessem os irmãos de Terras do Bouro, no Gerês. Produtos que são "um bocadinho de Portugal", diz o irmão mais novo, Miguel, numa cena do filme. E galinhas, gansos, patos, ovelhas. "Eu até gostava de ter mais animais (e tenho: alguns estão escondidos, porque não se pode mostrar tudo)", conta António, evocando os conflitos que o documentário expõe.

António garante que "tudo o que [faz] no jardim é com autorização assinada pela burgomestre", mas entre os luxemburgueses há quem queira proibir as galinhas nos talhões geridos pelas associações hortícolas. Ou quem ache que as hortas devem ser desenhadas a régua e esquadro, como se fossem jardins, e critique quem, como os portugueses, cultiva cada centímetro de terra sem preocupações estéticas.

Os irmãos Martins fazem parte da maior associação nacional de horticultores, a "Coin de Terre et du Foyer" ("Gaart an Heem" em luxemburguês), que tem 95 % de portugueses. Mas os portugueses estão em maioria na generalidade das associações. "Há imensos portugueses em todas as associações. Talvez não haja 95% em todas, mas têm todas muitos portugueses", garante o realizador, para quem os conflitos que o filme retrata não fazem sentido.

"Os portugueses que vemos no filme, para mim, têm uma relação muito mais directa com a natureza que outras pessoas que querem ver (as hortas) mais regulamentadas, que não querem que haja galinhas, por exemplo. Para mim, isto é ridículo. As pessoas têm hortas para estarem em contacto com a natureza, e há cinquenta anos os luxemburgueses também tinham galinhas. Porquê proibi-las?", insurge-se.

A ideia de filmar estes "agricultores de domingo" que desafiam os solos altamente poluídos da zona industrial de Esch surgiu-lhe quando era jornalista na RTL e teve de fazer uma reportagem sobre as hortas urbanas. "Vi que havia um interesse sociológico no tema, e decidi que se um dia tivesse meios, queria fazer alguma coisa mais profunda sobre isto".

O documentário, actualmente em exibição, levou um ano a filmar e quase quatro meses a ser montado. Isabel Bento dos Reis, que assina a montagem, passou muitas horas a ver e a seleccionar as imagens que integram o documentário, e acabou mesmo por "criar empatia" com os horticultores que o filme retrata.

"A ideia é falar das hortas luxemburguesas para falar da sociedade luxemburguesa, que é uma sociedade mista e intercultural", resume Isabel Bento dos Reis. "Alguns acham que não se devem misturar as couves com as flores, e outros misturam tudo. Cada um tem a sua ideia do 'jardim perfeito', da 'horta perfeita'", sintetiza. Visões díspares que ateiam conflitos mesmo na forma de plantar batatas.

A ver nos cinemas Belval e Ariston, em Esch, no cinema Utopia, na cidade do Luxemburgo, e no Starlight, em Dudelange.

Paula Telo Alves

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