sábado, 24 de dezembro de 2011

As tradições de Natal, segundo os jornalistas do CONTACTO


A Redacção do CONTACTO é multicultural, e as tradições natalícias também. Do Norte ao Sul de Portugal, passando pelos pratos típicos e as tradições cabo-verdianas, o Natal é diferente para todos. Em comum, apenas o facto de todos terem já passado esta época longe do país e da família, como tantos imigrantes lusófonos. Veja se reconhece algumas destas tradições: quem sabe não tem saudades do mesmo? 
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Entre o Alentejo e o Algarve


Quando era criança, a época natalícia em minha casa começava muitas semanas antes da data festiva. A minha mãe cozinhava dias inteiros para fazer filhoses e outros doces. Fazia travessas e travessas. Dava para partilhar com os vizinhos, com os primos e cheguei até a levar para a escola, num dia em que tivemos que apresentar as tradições natalícias dos países de onde éramos originários. Os meus colegas de turma luxemburgueses faziam caretas ao pronunciarem a palavra “fi-lô-séch”, mas só à primeira, porque depois de provarem a pronúncia vinha-lhes com mais naturalidade.

Mais tarde, descobri que essas nuvens retorcidas, estaladiças e generosamente polvilhadas de açúcar em pó, que no Alentejo de onde a minha mãe é originária, se chamam filhoses, têm noutras terras portuguesas o nome de coscorõese, e podem ter as mais variadas formas e ingredientes. Eu gostava de ver a minha mãe a cozinhar longas horas e ela preparava-me leite quente com canela ou noz moscada. Em casa, durante semanas pairavam aromas adocicados, que tornavam o Inverno lá fora menos frio.

Na noite da Consoada, a casa enchia-se de família e amigos, risos e conversas soltas. Havia lombo assado e batatas no forno, sonhos, coscorões, Dom Rodrigos e pastéis de batata doce algarvios, e o meu pai servia o seu melhor Medronho, trazido secretamente no Verão anterior, escondido no fundo falso de uma mala de cartão para escapar aos agentes das alfândegas.

José Luís Correia,
Chefe de Redacção 

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O Natal começa cedo


A celebração da época natalícia em minha casa é marcada a partir da primeira semana de Dezembro com grande entusiasmo. Erguer e enfeitar a árvore de natal com luzes, bolas brilhantes e fitas de cores múltiplas, e construir o presépio sobre pedaços de musgo onde pontificam as figuras de Nossa Senhora, São José e o Menino Jesus, os pastores, os rebanhos, e, claro, os Reis Magos, assinalam a festa familiar mais importante do ano.

Depois, é esperar com alguma impaciência até ao dia 24 pelos presentes que se vão avolumando em torno da árvore de natal.

Na noite da consoada, a família reúne-se à volta da mesa num burburinho característico dos dias de festa. O bacalhau com natas é o prato preferido e a variada doçaria (rabanadas, arroz doce, filhoses, broas, sonhos, bolo rei e tantas outras iguarias) enche a mesa que é abandonada apenas à hora da tradicional missa do Galo. De regresso, trocam-se as prendas e os abraços.

No dia 25, o peru no forno recheado com castanhas constitui o prato tradicional de um almoço que se prolonga quase sempre até ao jantar, no qual se aproveita a "roupa velha" do dia anterior.

Álvaro Cruz 

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No Reino Maravilhoso


Com os fluxos comerciais entre Portugal e o Luxemburgo, não é difícil encontrar por aqui os ingredientes para a ceia tradicional da consoada, do bacalhau às couves (que eu troco de bom grado pelos grelos). O polvo, um prato que convive harmoniosamente com o bacalhau na ceia transmontana, também se encontra facilmente.

Mas há coisas que nem os transportadores que cruzam a fronteira podem fazer chegar ao Luxemburgo. Este ano, como em todos os Natais que passo no estrangeiro, vou sentir falta das fogueiras do Galo, um ritual pagão que sobrevive em muitas aldeias no Nordeste transmontano. Há quem diga que a tradição remonta às celebrações das Saturnais romanas, que marcavam o solstício de Inverno, ou mesmo aos celtiberos das culturas pré-romanas.

Hoje, pesados troncos continuam a encher o adro ou o largo principal das aldeias transmontanas, à espera de um ritual que se repete há milhares de anos. No Reino Maravilhoso de Torga, acabada a missa do Galo, a população reúne-se junto destas gigantescas fogueiras a céu aberto e por ali fica, a falar com vizinhos e amigos noite dentro, de olhos fixos no braseiro. Numa noite em que a maioria das famílias fica em casa, os transmontanos desafiam o frio, o breu e os medos atávicos para reviver uma grande tradição comunitária. E eu, mais uma vez, vou ter pena de ficar em casa.

Paula Telo Alves 

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Cabo Verde: "Natal sabe"


As saturninas não tinham passado o Trópico de Câncer e em Cabo Verde não tínhamos árvores de Natal e troca de presentes. Nem o Pai Natal.

Alguns meses antes desta época festiva, a minha mãe já começava a distribuir por entre os três filhos algumas estrofes natalícias na língua de Camões para declamarmos na igreja. Ainda não tínhamos idade para a escola e nem sabíamos falar português. Mas o que é certo é que na noite de Natal, sem direito ao erro, saíam aquelas palavras mesmo sem sabermos o seu total significado. Todos os anos participávamos no programa de Natal da igreja. Sem receber nada em troca, tal como os reis magos, era a prenda que tínhamos para o menino Jesus.

Em Cabo Verde não comíamos bacalhau, peru ou outras iguarias típicas da Europa, mas o melhor prato que vinha à cabeça. Mas também havia os bolos. À volta da mãe, uma escadinha de três filhos esperava o momento certo para passar o dedo nas taças deixadas com restos das massas dos bolos. Aquele cheirinho dos bolos da minha mãe estava lá todos os anos. Hum... era sabe (saboroso).

Com o tempo, Cabo Verde abriu-se às tradições de Natal e nós, família de um povo peregrino e aumentada a quatro filhos, desde a chegada a Portugal que não dispensamos o bolo-rei e um bom bacalhau à mesa. Sabe ...

Henrique de Burgo 

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De Braga a Beja


Com uma mãe de Braga e um pai de Beja, as tradições de Natal em minha casa foram sempre muito diversificadas.

Do norte chegou-me a doçaria: a aletria, os formigos (uma iguaria feita à base de pão e mel), as rabanadas, as filhoses de abóbora. Do sul, a carne de borrego assada no forno, mas também as filhoses alentejanas, uma massa esticada, muito fina, com dois cortes no meio e que se desfaz na boca. Também havia umas que tinham o formato de uma flor...

Durante muito anos o meu Natal foi celebrado no Alentejo em casa dos meus avós paternos. Ainda assim a minha mãe não prescindia, na noite do dia 24, do bacalhau cozido com as couves e dos doces. Os meus avós alentejanos olhavam com alguma desconfiança para os formigos e para a aletria, mas era só até começarem a comer - o doce nunca foi amargo.

Apesar de o Alentejo ser pouco católico, pelo menos na terra do meu pai, a missa do Galo era obrigatória. Com um frio de rachar, lá saíamos de casa para celebrar, com outra meia dúzia de pessoas que encontrávamos na igreja, o nascimento do menino. Durante muitos anos a missa foi celebrada pelo padre Marvão. Quando este senhor, que eu sempre conheci velhote, morreu, a missa da meia-noite também acabou em Beringel.

De volta a casa, depois da missa, e à volta da lareira, ou do braseiro, a minha avó começava a entoar cânticos ao Menino.

As tradições já se mantêm ao longo de três gerações. Primeiro em casa dos meus pais e agora na minha. Só que agora a juntar às tradições alentejanas e minhotas, há ainda que acrescentar as algarvias. É uma festa.

Domingos Martins 
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  Rei dá lugar à Rainha


Sou oriunda da região centro de Portugal e, como é tradição na minha zona, à mesa da Consoada temos sempre o bacalhau cozido com batatas e couves. Não faltam também os doces típicos da época festiva como os sonhos, as filhoses de abóbora, os coscorões e as azevias (que são de longe o meus doce favorito), e claro está, o bolo rainha. Digo bolo rainha porque cá em casa o bolo rei não recolhe o favoritismo.

A noite da Consoada é sinónimo também de reunião familiar, de conversas pela noite fora junto à lareira, de gargalhadas e boa disposição, da troca dos presentes à meia-noite e de muito chá bem quente, quando a noite já vai muito adiantada, e que ajuda a digerir as muitas guloseimas que comemos ao longo da noite. No dia 25 ao almoço, trocamos o peixe pela carne e serve-se um saboroso assado de cabrito e de lombo de porco, acompanhado de batatinhas no forno e grelos.

Irina Ferreira
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Natal badio 


Como vivo o Natal? Esta é uma pergunta a que não me é fácil responder se tiver em conta que, sendo filha de cabo-verdianos, e apesar de ter nascido ainda naquele país, não acredito que o meu Natal seja vivido da mesma forma que em Cabo Verde, mas também não sei se será igual ao Natal dos portugueses.

Ouvia a minha avó contar que o Natal não era muito comemorado na Praia (capital de Cabo Verde), mas sempre no interior da ilha, onde as pessoas do campo preparavam semanas antes a chegada dos familiares da capital. Era uma grande festa. Tudo era feito num ambiente de partilha e alegria, os cabritos mais robustos eram preparados, as galinhas mais pesadas, a feijoada com carne salgada e os melhores grogos (compara-se com a aguardente) eram engarrafados para serem servidos aos visitantes que eram esperados com ansiedade.

Cada casa da aldeia recebia muitos convidados, mas os visitantes eram recebidos por toda a aldeia, uma vez que eram "obrigados" a visitar todas as casas e a provar todas as iguarias que tinham sido confeccionadas especialmente para elas, incluindo o chamado morabeza . Quem vinha da capital trazia as mãos cheias de coisas que eram difíceis de encontrar no interior: bolos, doces, açúcar, bolachas, entre outros produtos.

Hoje, a minha família reúne-se na tarde de 24 de Dezembro e juntos preparamos aquilo que vai ser a nossa ceia de Natal. O peru e o bacalhau já fazem parte da ementa. Mas o cabrito, o pato e os bolos, dos mais variados, também fazem parte da mesa da Consoada.

Aproveitamos esta reunião para lembrar os tempos antigos de Cabo Verde e o meu avô aproveita também, juntamente com os meus tios, para cantar a ressa ,que é uma espécie de cântico que antigamente era cantado no interior da ilha de Santiago.

Aleida Vieira 




 

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