quarta-feira, 23 de maio de 2012

Luxemburgo: "Há muitas associações cabo-verdianas de fachada e a federação é um caso a rever"

Dois anos depois de ter abandonado o cargo de presidente da Organização dos Cabo-verdianos no Luxemburgo, José Maurício quebra o silêncio e tece críticas ao associativismo cabo-verdiano no país. As farpas dirigem-se às associações e à Federação das Associações Cabo-verdianas no Luxemburgo.

José Maurício é uma das figuras mais conhecidas da comunidade cabo-verdiana no Luxemburgo. Foi representante da comunidade no Conselho Nacional de Estrangeiros e, em 2005, passou a presidente da Organização dos Cabo-verdianos (OCL), cargo que ocupou até à extinção daquela organização, em 2010. Nesse ano, a OCL mudou de estatutos e passou a denominar-se Federação das Associações Cabo-verdianas no Luxemburgo (FACVL), tendo José Maurício passado o testemunho a João da Luz.

"Quando eu era dirigente da OCL defendia a mudança do nome para federação porque entendia que era esse o nome correcto, mas para além dessa mudança pensei que ia haver uma nova dinâmica. Passados estes anos, posso dizer que ficou aquém das expectativas, pois falta precisamente isso – dinâmica. Não estou a criticar directamente a pessoa que assumiu essa responsabilidade, até porque não havia mais ninguém que quisesse assumir esse desafio. Mas creio que a culpa também se deve às associações e às instituições cabo-verdianas, porque a federação não tem apoio de nenhuma instituição", aponta José Maurício.

Falta de organização e interesses individuais estão na base do 'vírus' que se apoderou do associativismo cabo-verdiano, reduzindo a sua representatividade, refere Maurício.

"A representatividade das associações cabo-verdianas no Luxemburgo está com 'deficit zero'. Esse é o vírus das associações e também da federação. As associações não estão organizadas e cada uma se baseia no interesse individual e as coisas não funcionam. Não há interesse colectivo. A federação não conseguiu pôr as coisas em ordem depois de todo este tempo, como fizeram as federações de outras comunidades. Ela [FACVL] tem nome, mas não representa ninguém. Está a trabalhar com nome de federação, mas de forma individual, e não pode ser. É por isso que a federação é um caso a rever”, diz.

Se a federação é um caso a rever, o mesmo se aplica às associações, que, segundo o antigo presidente da OCL, devem ser distinguidas: as "associações de fachada" e as associações que trabalham para a comunidade.

"Há muitas associações de fachada e é preciso fazer uma escolha. Vai ter de ser uma instituição cabo-verdiana, com outra voz, a sentar-se à mesa com as associações e dizer 'meus senhores, deixamos de trabalhar com associações de fachada e vamos trabalhar com associações credíveis'. Caso contrário, cada um faz o que quer e o que vai haver é uma competição entre as associações sérias e as associações de fachada. Dentro do mundo associativo são todos iguais, mas na prática há uns que se aproveitam do aspecto lucrativo e outros que não. É preciso separar as águas e é o associativismo cabo-verdiano que vai ganhar".

A falta de abertura à cultura de origem é outra das críticas apontadas por José Maurício, que lamenta que a comunidade cabo-verdiana esteja a perder terreno face a comunidades recém-chegadas ao Luxemburgo, por apostar em "festas e DJ’s", diz, em vez de partilhar e perpetuar a cultura cabo-verdiana.

"Não estamos a dar nada às outras comunidades sobre o conhecimento da cultura de Cabo Verde. Estamos a ficar muito atrás de comunidades que chegaram ao Luxemburgo depois de nós. Dou o exemplo de associações de países africanos recém-chegados ao Luxemburgo que têm trazido historiadores, escritores e têm feito exposições de pintura com o apoio do Ministério da Cultura do Luxemburgo. Nós não temos isso. A mentalidade das nossas associações é que trazer, por exemplo, um autor de literatura cabo-verdiana para aqui é um disparate. Para onde vamos só com festas e DJ's? Felizmente temos excepções, com algumas associações que têm feito algo por Cabo Verde", desabafa.

Para mudar a situação, José Maurício pede a intervenção da embaixada de Cabo Verde. "A federação não pode funcionar se não houver colaboração das associações. Ou temos uma federação forte e apoiada pelas associações e instituições, ou não vale a pena. Daí a necessidade de virar a página no associativismo cabo-verdiano no Luxemburgo. Esse virar de página tem de vir da embaixada. Se a embaixada meter em cima da mesa um plano de trabalho e vir quais as associações que respeitam esse plano, aí as coisas avançam, porque senão o vírus da 'representatividade zero' vai continuar no nosso meio".

"Há gente capaz de assumir a federação e dar estabilidade às associações. Algumas pessoas da antiga OCL têm boa vontade e querem regressar ao mundo associativo e fazer um trabalho não para 'a', 'b' ou 'c', mas para todos", conclui.
Textoe foto: H. de Burgo

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